segunda-feira, 4 de março de 2013

Retrato de feira.


Ventava. Mas ainda era possível suar. Um suor acumulado do calor de um dia inteiro, calor de encher balde em ritmo inversamente proporcional ao das horas, mortas de preguiça de passar. Era final da tarde e sobrava suor.
A mulher usava blusa de mangas compridas. Roxa. O cabelo era branco, encaracolado, uma lã. Um quadro que fingia frio e não enganava ninguém. Céu azul, azul. Sol tinindo.
O homem vestia camisa do Corinthians. Num banquinho ao lado, uma blusa do Barcelona sob um melão - com preço e tudo registrado nele de caneta piloto azul - que impedia que o vento que salvava a vida (minha) a levasse.
Menti. Não era um banco o que aparava a blusa e melão. Era uma caixa de som. Um brega antigo, desconhecido e de letra inusitada fazia a trilha sonora.
Estavam todos ali encostados à beira do rio. As costas para o pôr do sol, as caras voltadas para a feira do Ver-O-Peso: a mulher, o Corintiano, a caixa de som, a blusa e o melão.
Eles não eram um casal. Inusitados como a letra do brega, ela lhe fazia as unhas dos pés, e ele tomava cerveja refestelado enquanto lhe arrancam as cutículas. Mais naturais que o pôr do sol que acontecia ali, alaranjado e absurdo, todo santo dia. 
Não eram inusitados coisa nenhuma! "Inusitado" é palavra minha intrometida na cena feito intervenção de cientista em aldeia de gente feliz.
Durou um pôr de sol, cinco bregas e três cervejas aquele fazer de unhas. Escurecido o cenário, uns braus centígrados a menos, a manga comprida roxa da Pedicurie ambulante pôde até fazer algum sentido. O melão foi suspenso para o Corintiano se travestir de Barcelona e estar pronto, de unhas feitas, para o outro pedaço de dia que faltava acontecer.
Pagou em moedas, eu pude ver. E "desachei" que era pouco no segundo seguinte em que havia achado porque a mim nada cabia achar ali.
Poderia contar que dancei o último brega que ouvi daquela caixa de som com melão em cima, como se eu fosse também personagem natural à cena. Mas não contarei.
Poderia contar de um banco de pedra à beira do rio construído com dois lugares, assentos grudados e encostos um de frente para o outro, feito mesmo pra se namorar. Um de frente pra feira, outro de frente pro sol, um de fronte pro outro. Mas não é isso que vou contar.
Vou contar que, com o Barcelona refeito, um moço da mesa ao lado parou a Pedicurie, sacou o pé da sandália e tascou-lhe à sua visão noturna. As moedas guardadas, o banquinho de baixo do braço e as cutículas passadas arremessadas ao rio, ela disse algo que o brega não me permitiu ouvir e seguiu caminho.
E aqueles pés ficariam para o próximo pôr do sol.

Belém, Feira do Ver-O-Peso, 11 de novembro de 2012.

 

segunda-feira, 5 de março de 2012

Palavra de escoteiro!

Um dia entendi que ser uma pessoa bacana ou ser um purgante é uma questão de escolha.
E que um dos grandes problemas da civilização humana é a habilidade de montar uma bela d´uma cara amarrada e arrastá-la por aí atrapalhando o sábado.
Essa coisa de se emburrar, olha, acho que a gente já aprende ao nascer. Bem ali quando somos tirados daquele quentinho/escuro/gostoso/protegido para vir parar aqui nesse trem de doido que chama mundo - nossa primeira razão para reclamar em vão, já que não há SAC, no caso.
O que quero dizer é que todos os dias, desde o primeiro até o último, não faltarão razão e habilidade para ser chato. Basta querer. Motivo pra reclamar dá em árvore e se colhe ao alcance das mãos. Com a maior facilidade, lá estará o carrancudo com uma cestinha de vime cheia de aporrinhações que, certamente, distribuirá aos seus.
Mas tem o outro roteiro. A escolha oposta. Envolve leveza, envolve gargalhada, envolve sensatez. E nem é tão difícil, o problema é que requer atenção de escoteiro. Sempre alerta!
Uma rabugice aqui outra acolá, vá lá, tem seu charme. Engolir sapo a torto e a direito faz até adoecer, dizem e eu acredito.
Combinei comigo, então, de guardar o mau-humor pr´aquilo que valha a pena mereça recebê-lo. E me concedi os direitos de usar a rabugice apenas para fins de charme e de cometer no máximo uma vez ao dia o crime da chatice à toa.

Dito isto, cá entre nós...

Quando me perguntou se eu tinha medo de chuva e eu com faíscas nos olhos disse "sim";
E depois perguntou o porquê e eu disse rosnando "porque fico doente";
E aí questionou a diferença entre se molhar na chuva e tomar banho de piscina, e eu disse "não tomo banho de piscina de roupas";
E então, rindo, perguntou se eu não tomava banho de chuva quando era criança e eu respondi, grossa, "tomava e ficava doente"...

Entenda. Ali se exercia a habilidade nata de ser um entojo.
Desatenta, desescolhi o bom caminho.
Fechou-se a cara e formou-se o bico e não havia argumento e riso a desatar a carranca irracional.
Digo irracional porque o final desse diálogo pedia era umas boas risadas. E porque, de verdade, adoooro chuva.  Tá certo que chuvisco bom é aquele que a gente ouve o barulhinho da janela pra dentro, e que um toró daqueles de pingo grosso de doer a cachola é que é bom de se fingir criança e festejar na rua. Enfim, não vem ao caso. E se vier, Guilherme Arantes ao piano: deixa chover ô ô ô deixa a chuva molhar...

Seguirei atenta. Palavra de escoteiro!

Gastei mau-humor à toa. Queria desfazer. (PODE?) Queria pegar a chatice cometida de volta. (DÁ?)
...É porque se der (mas só se der mesmo!), queria usar a chatice do dia pra dizer que não vou comer essa carne mal passada desse jeito, não. Gente, o boi tá vivo! Que nõjõ!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Juventude

Vinha descabelada, sisuda, vencida, caminhando de volta do trabalho pra casa. O descabelo e o vencimento porque jamais consegui perdurar a arrumação por todo o horário comercial. Meio dia tudo já começa a desgringolar. Seis da tarde, vixi maria! O siso, porque uso da técnica mesmo pra andar na rua quando só, apressada, ou quando ermo, ou quando sem óculos, enfim. Evita algumas interpelações pessoais.
Pois andava desse jeito aí, quando um moço de bicicleta diminui a velocidade, tira o fone dos ouvidos e acha por bem se comunicar. Pela pose e pelo sorriso enlarguecido, se vê que se acha bem bonito o moço:
- Oi, tudo bem?
(escolho a cara mais franzida, o bico mais montado, a voz mais grave, o tom mais seco e...)
- Tudo bem sim, por quê?
- Não, por nada! É que queria te conhecer, posso?
- Olha...Não. Não pode.
- Mas porque? Tu és comprometida?
- Sou comprometida com meu bom senso. Mas já que a gente tá conversando, me conta. Tu já conseguiste alguma coisa abordando alguém assim?
(insira aqui um peito tufado, uma cara de orgulho e um sorriso pra rasgar de enlarguecido)
O moço e a sua bicicleta atravessaram a rua. Pude ver quando ele abordou umas garotas do outro lado que se derreteram em risadinhas. Eu, do lado daqui, ri. Ele me olhou e enviou uma piscadela. Eu retribuí com um joinha incentivador.
Ah, a juventude...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Torcidas

Quero falar sobre torcida. Mas não daquela torcida das multidões, das camisas, dos gritos de guerra, das paixões. Quero falar de outra torcida. De outro tipo.
Olha, tem pouca coisa que seja mais verdadeira nesse mundo que torcer pelo outro. E aí tava aqui pensando no tanto que é bonito isso de dispor energia, de intencionar os melhores pensamentos, de ter "frio na barriga alheio", de compartilhar aflições, tudo pela vitória do outro.
Esse torcedor, ele se doa - e aí são muitas as maneiras de se doar - e não quer nada pra si. Tipo mãe na beira do campo de futebol vendo o filho disputar campeonato do colégio, sabe? Mas mais especial ainda por não ser mãe. Já que mãe e torcedor são, na verdade, uma grande redundância.
Verdade que é o outro quem saboreia a vitória, recebe a medalha no peito, leva o troféu pra casa. O que o torcedor ganha é a alegria irradiada. Não tem olho que não brilhe. Porque alegria compartihada e comemorada reverbera. E acredito mesmo(!) que isso seja recompensador sempre!
Dia desses, em meio a uma multidão descontextualizada, recebi um abraço amigo acompanhado de um "boa sorte" tão de verdade que continha naquele único abraço os braços de toda uma romaria e umas 300 palavras prensadas naquelas duas. Era disso que eu tava falando. E que na hora não pude falar pelo nó na garganta causado pelo recado entendido.
Coisa boa é torcer. Coisa boa é ter torcida. Eu reconheço a minha no olhar. Ela não é pequena e eu falo isso sem nenhuma modéstia. Torcida dessas se conquista é com amor recíproco. E por eles eu torço, mentalizo, peço, me esfolo, visto camisa, brado, tomo partido...fica até meio parecido com aquela outra torcida lá. Quero que vençam, quero que sejam felizes, que os olhos brilhem, que os sorrisos explodam, e depois quero ficar ali por perto, esparramada na alegria irradiada.
Essa torcida aí, desse jeitinho aí, ela é tão genuína, mas tão genuína, que aquele personagem que sempre haverá, o que torce contra, o secador, pfff, ele fica tão pequenino e inexpressivo que imagino que nem tenha mais caracteres pra que se possa terminar de falar dele nesse text

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Customizando mandinga pelo mundo

Já ouviu falar em customização de mandinga? Pois é. Inaugurou-se a prática no Reveillon deste ano e, desde então, a arrumação não parou mais. Exemplo: uma amiga, cuja identidade preservarei, pegou o seu vidrinho de perfume "chora-aos-meus-pés" e tascou-lhe dentro o nome completo - sem abreviações - de um dito cujo. Porque? Ora, como é que o perfume ia descobrir sozinho quem ela queria que chorasse aos seus pés, não é mesmo? Achei justo. Tasquei logo no meu vidrinho de perfume "chama-dinheiro" um papel dobrado com um valor de salário que me apetecesse - com cifrão, vírgula e deixando bem claro que era valor mensal, nada de parcela única.

Tá. Aí, caminhando pela 18 de julio, em Montevideo, me deparo com a Fuente de los Candados, uma fontezinha muy hermosa, lotada de cadeados presos nela e uns nos outros, e uma plaquinha que assim dizia: "La leyenda de esta joven fuente dice que si se lo coloca un candado com las iniciales de dos personas que se aman, volveran juntas a visitarla y su amor vivira por siempre...".

Éramos três as brasileñas abobalhadas diante de tanta fofura. Todas com o coração ou vazio ou preenchido inadequadamente. É! Mas todas morrendo de vontade de prender um cadeadinho ali, sabe?
Primeiro seguimos, como quem nem se importa, mas foi pôr o olho num kiosko que vendia cadeados por ali que...aaah, vamo customizar, né?

Houve uma que achou melhor não arriscar. Não comprou cadeado nenhum e ficou por ali a admirar o amor dos outros e registrar a presepada das demais.
Houve uma que achou por bem escrever as suas iniciais e desenhar ao lado uns três corações e atribuiu à Fuente a responsabilidade de escolher uns donos bem bacanas para voltar com ela à Montevideo.
Houve uma que, na maior cara de pau, inventou para si mesma e para as demais, que ia desafiar a Fuente. (Ah, tá!). Tascou as iniciais do inadequado ao lado das suas, prendeu e nem olhou pra trás. Quer só ver se é verdade mesmo a tal lenda. An-han.

E que conste nesta história: que tudo foi escrito com lápis de olho; que estava chovendo; que, caso os corações vazios ou as iniciais do inadequado forem trazer algum mau agouro, autoriza-se desde já a customização automática da mandinga para que a chuva borre o lápis de olho no cadeado e a Fuente não consiga ler coisa alguma do que las chicas brasileñas escreveram.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Que chova rã enquanto toca o baião!

 
 Martina: preciso te contar um episódio rapidola. cabe?  Eu: cabe. cabe uma penteadeira. Martina: sábado ganhei de aniversário o disco novo do Chico. ouvi domingo enquanto fazia um escondidinho de macaxeira com carne seca DOS DEUSES lá em casa  daí enquanto rolava uma faixa que é um baião eu soltei "ai, gente, tão Yara* isso..."aí a Luana: "cara, pois eu quero te dizer q é a música favorita dela"
 Eu: ééééééé. é mesmo! poutaqueôpariu, vou chorar.
 
 Martina: eu te juro pela saúde do Matheus*
 Eu: martina, onde tá a menina escrota que eu tinha dentro de mim? ai, agora é tudo um marejamento só, credo.
Martina: não é da minha época. desculpa te dizer isso assim.  Eu: mas, me diz, SÓ ME DIZ, o que é aquilo do coração que o indivíduo ora enche ora esmaga que nem fole de acordeão? EGUA! olha, eu dei um grito mesmo quando ouvi essa música a primeira vez porque juro pra ti que ja tinha pensado nisso, mas nem sou o Chico pra conseguir fazer sair do pensamento assim pronto pra consumo, saca? Martina: saaaaco
 Eu: "Meu coração / Que você sem pensar / Ora brinca de inflar / Ora esmaga. / Igual que nem / Fole de acordeão / Tipo assim num baião / Do Gonzaga"*
 Martina: hahahahahahahha. cara, o que todo mundo quer é um amor, olha. QUE CHOVA RÃ SE EU TIVER FALANDO MENTIRA!
 Eu: ééééééé. é isso!
  Martina: daí a gente tem, né. aí a gente reclama ama ama ama
 Eu: éééééé. é uma maluquice esse negócio de amor, bicho. uma maluquice!
   __________________________________________________*Yara, por um acaso, sou Eu. Ou é como a Martina me chama, entre outras variações.*Matheus é o sobrinho lindo cor de caramelo da Martina que ela ama muito e que só jurou por ele porque é a mais pura verdade. *E aqui está a riqueza de música do Chico que contem a "metáfora mais bonita da cidade": [Tipo um baião - Chico Buarque]

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O moço que canta

Na frente da minha casa mora um moço que canta.
Canta pra rua, quero dizer. Como se não morássemos no centro de Belém. Como se não houvesse um barulhento ponto de ônibus entre a minha janela e o portão da casa dele. Como se a cidade não fosse um caos.
Ele lá, cantando pra rua. Um vozerão tão "ão" que inunda o quarteirão inteiro.
Há alguns anos, ainda nem havia pêlos brancos na barba do moço, ele andava de patins enquanto cantava. Eu achava o máximo! Geralmente à noite, ele ia até a esquina e voltava. Da janela, ficava acompanhando o volume da voz aumentar e diminuir enquanto ele ia e vinha, da Avenida Braz de Aguiar à Avenida Nazaré, cantando sobre os patins.
Agora não tem mais patins. A mocidade do moço já não é mais tão moça assim. Mas cantar, ele ainda canta.
Canta e varre a calçada. Canta e dá bom dia, e dá boa tarde e dá boa noite. Canta escorado no portão, voz impostada, braços ritmados, presenteando quem passa...sorte de quem é pedestre, porque esses vão ter um pouquinho mais de tempo pra aproveitar o show.
Digo show porque o moço que canta, canta muito bem. Não tenho muito conhecimento a respeito da classificação dos timbres e coisa e tal, mas imagino que ele seja um barítono. E um barítono com gosto musical irretocável.
Pois na frente da minha casa mora esse moço. Que andava de patins à noite. Que canta lindamente pra quem passa. Que é barítono por classificação abusada minha. E que em tudo se afina com as minhas preferências musicais.
Não sei como ele se chama. Não sei quase nada sobre a história dele. Já ouvi dizer que é um moço muito inteligente. Sei que muito se interessa por política, pois em épocas eleitorais, entre uma música e outra, há apaixonados brados ativistas. E sei que ele é muito querido, pois no dia do seu aniversário havia uma faixa enorme pendurada na sacada da casa, em nome da família, lhe dando parabéns e lhe declarando amor.
Uma vez por ano encontro o moço em outro endereço. O reconheço (reconheço a voz e de imediato encontro ele na multidão), todo bonito e vestido de branco, cantando no coral do Círio na arquibancada da Avenida Presidente Vargas, um pouco mais pra frente do Teatro da Paz. Ele é sempre um dos mais alegres e é das vozes mais bonitas ali emprestada para homenagear a Virgem e enfeitar a procissão.
Eu sempre o aponto, como vizinha orgulhosa, pra quem está ao meu lado: tá vendo aquele moço ali, ele mora na frente da minha casa e canta desse jeito aí, bonito bonito, quase toda noite.
Já tive vontade, inúmeras vezes, de fazer pedidos ou de parar um poquinho e aplaudir. Nunca tive coragem. Mas sempre passo sorrindo e faço um esforço enorme pra ele perceber que eu não só passei.
Queria que o moço que canta soubesse que, por ele, eu diminuo o passo, cantarolo baixinho e sorrio mesmo como se aplaudisse.
Um dia ainda faço um pedido. Tenho uma lista. Um dia ainda paro e aplaudo.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Diga-me o que cantas e te direi os males que espantas

Não sei o tipo de curto circuito que deu na minha cabeça enquanto dormia, mas o fato é que acordei e passei o dia IN-TEI-RO com uma música do Raça Negra a tocar no pensamento.
 “Então vem (então vem) / maltrata de vez (maltrata de vez) / 
estou com saudade e a tua maldade me faaaaz deliraaaaar / 
Te perder (te perder) / Eu não vou resistir (eu não vou resistir) / 
Eu vivo sofrendo, estou te querendo nasciii pra vocêêê...”

Acho engraçada essa dorzinha de cotovelo dos pagodes românticos. Ninguém se esgoela, sabe? Ninguém grita, ninguém puxa cabelo. Está lá a dor, a perda, a saudade, a traição, mas tudo se canta dançandinho em passos iguais, para um lado e para o outro, e com cara boa. É engraçado o sofrer do pagode.

Totalmente diferente, por exemplo, do sofrimento do samba. O sofrimento do samba é classudo, é d´outro nível! Por mais sofrível que seja, o sofrer do samba é um sofrer digno. Acho lindo o sofrer do samba. Acho mesmo.

Zi, amiga minha, ficou, então, achando que poderíamos fazer uma escala do sofrimento. Uma linha. Do sofrimento light ao completo descabelamento.

Adverti, logo. Descabelamento é com Bethânia!
 "Vou te envolver nos cabelos / Vem perde-te em meus braços / 
PELO AMOOOR DE DEEEUSS / 
Vem que eu te quero fraco / Vem que eu te quero tolo / 
Vem que eu te quero todo meu"

Ninguém que já tenha ouvido esse “PELO AMOOOOR DE DEEEUS” gritado por Bethânia pode passar incólume a essa vontade de puxar os cabelos. E se saiu ileso disso, olha, não veio mesmo ao mundo para se descabelar!

Pra não ser injusta, colocaria no mesmo patamar deste “peloamordedeus”, Elis Regina cantando “Atrás da Porta”, naquela parte em que o grito vai crescendo e depois vai decrescendo até virar um murmuro:
 “E me arrastei / e te arranhei / e me agarrei nos teus cabeeeeeelos / 
no teu peeeeito / teu pijaaaaama / nos teus pés / ao pé da cama...".

Ê, laiá.

No extremo oposto do descabelamento, Zi sugeriu Jorge Aragão. Fazendo jus àquele primeiro raciocínio de que o sofrimento do pagode é light. O sofrer do Jorge Aragão é do tipo que já passou. O cara tá ali contando pros amigos como foi, mas já tá meio superado, com a cara boa, sorrisão, dançandinho e coisa e tal.
 “Logo, logo, assim que puder vou telefonar. / Por enquanto tá doendo. / 
E quando a saudade puder me deixar cantar/ vou dizer que andei sofrendo..”

Enquanto eu cantava, Ziralda lá, fazendo reguinha e pondo fotos dos ícones com o trecho da música ao lado, e nos lembramos, quase que ao mesmo tempo, do nosso querido Fagner. Como deixar de fora?

O sofrer do Fagner é um sofrimento rasgado. Com vogais abertas. Com sotaque. Com olho fechado. “Deslizes” é o cúmulo!
 "Não sei porque insisto tanto em te querer. / Se você sempre faz de mim o que bem quer / (...) / 
E é assim que eu perdôo teus deslizes / e é assim o nosso jeito de viver / 
Em outros braços tu resolves tuas crises / Em outras bocas na consigo te esquecer"

Sofrer de Fagner tá no mesmo patamar do sofrer de Fafá de Belém. Tudo com sotaque e vogal aberta e olho fechado. Classificaríamos (será?) como um sofrer regional? Não sei. Há que se pesquisar.

Daí, passei à minha teoria do sofrer classudo. O sofrer do samba. Ih, o que não falta é exemplo. Espia a classe do Cartola:
 "Chora, disfarça e chora / aproveita a voz do lamento que já vem a aurora. / 
A pessoa que tanto queria, antes mesmo de raiar o dia / deixou o ensaio por outra / 
Oh! triste senhora / Disfarça e chora"

Pura classe! E a lindeza da Dona Ivone Lara cantando “Mas quem disse que eu te esqueço?”:
 “Tristeza rolou nos meus olhos do jeito que eu não queria / E manchou meu coração, que tamanha covardia / Afivelaram meu peito pra eu deixar de te amar / Acinzentaram minh'alma, mas não cegaram o olhar /  Saudade amor, que saudade / Que me vira pelo avesso, e revira meu avesso / Puseram uma faca no meu peito / Mas quem disse que eu te esqueço / Mas quem disse que eu mereço”

Ficou decidido, então, que em estima à beleza e à elegância do sofrer do samba ele não entraria na nossa escala.

Apartado o samba, encaixamos na escala o sofrer da Katya Cega. Não só em nome do politicamente correto preenchimento da cota dos PNEs, mas por cantar a verdade-verdadeiríssima de que não está sendo fácil mesmo pra ninguém:
 “Não está sendo fácil / Não está sendo fáááciiil / 
Não está sendo fácil viver assim, você está grudado em mim...”

E aí, foi mais ou menos assim, nesse caminho e nesse gracejo, que Zi compôs a escala-da-fossa mais incrível do mundo inteiro. Sério! Ainda colocou um bônus lá que... só vendo, só vendo.

Eu juro que queria distribuir pra ajudar os aflitos. Tipo aqueles santinhos de Santo Expedito que dão por aí com a poderosa oração no verso. Um empreendimento totalmente altruísta. Mandar fazer milheiro e tudo, sabe? Porque não deixa de ser uma causa justa e urgente, não é? Mas no lugar do “Devolva-me a paz e a tranqüilidade, Meu Santo Expedito”, bastaria dar play na faixa bônus escalada por Zi. Diz se não tenho razão:

 (arte da maior qualidade da minha querida Zi, a quem conhecem por Luena Chaves)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sobre pêlos, peito e cotovelo

Encravou-lhe um pêlo no peito.
Pêlo, assim, com acento circunflexo mesmo. A reforma ortográfica que vá às favas, porque é o seu próprio pêlo, encravado no seu próprio peito, e o mínimo que lhe cabe é dar-lhes a grafia que quiser.
Lembrou da história que Helena contou sobre o livro do Haroldo Maranhão. Um que narra as aventuras de Filipe Patroni. Tá, não era bem sobre pêlo encravado no peito o que Helena contou. O livro era o "Cabelos no Coração", e a ideia da expressão, salvo engano de interpretação, é a de que a pessoa é tão dura/cruel/sem compaixão que nascem-lhe cabelos no coração.
Lembrou disso porque o livro muito lhe interessou e ficou de procurar nas estantes virtuais da vida. Só por isso. Porque insensibilidade não era o caso da personagem do pêlo encravado. Vixe! Longe de ser!
E como se não bastasse todo esse abuso de licença poética, encravou-lhe um pêlo no cotovelo.
Desse jeito mesmo, tipo piada pronta, se de verdade não fosse.
Tinha um pêlo encravado no peito e outro encravado no cotovelo.
O do peito estava lá, feio e tudo mais, mas indolor. O do cotovelo, argh, inflamado, dolorido...Encostar os braços na mesa pra pensar, nem pensar! Pensar dói uma dor aguda quando se tem um pêlo encravado no cotovelo.
E como tudo isso começou a parecer muito uma metáfora de outra coisa, adentrou-se de uma vez no sentido figurado da questão. Por que não? Foi quando recomendaram-lhe: "Espreme eles! Espreme, mas não esquece de ler o que tem dentro". No que respondeu: "Mas e se peito e cotovelo não falarem a mesma língua?".
E não falam.
Moral da história: o cotovelo não age conforme o peito; e, menos ainda, peito nenhum age conforme o cotovelo.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Sempre Fagner

- Perdi o celular.
- Como assim? Deixaste em algum lugar? Será que caiu da tua bolsa?
- Não sei, não tá em lugar nenhum, chama e ninguém atende...perdi.
- Tenta lembrar a última vez que viste...
- HAHAHAHAHAHAHA
- Que foi?
- Minha última lembrança é que tava usando o celular de microfone enquanto cantava Fagner.
- Ai, sempre o Fagner...

[perdi o celular mas achei esse vídeo incrível com Espumas ao Vento, Elza Soares e dança moderna]

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Troço genial

Música é um troço genial. E eu nem me atreverei a desenvolver essa frase porque é só isso e ponto.
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No documentário "Rio Sonata", que homenageia Nana Caymmi, alguém disse por lá uma coisa que eu bem já havia dito por aí. Não dá pra ouvir Nana como música de fundo, música ambiente, música de elevador, sabe? É preciso não estar fazendo mais nada. Porque é preciso se concentrar pra ouvir Nana, prestar atenção mesmo, se entregar. Porque é intenso. Dá até pra se perder por aí (aqui) no "em si" da gente. E se perder com Nana, experimenta, é bom! Nem acho triste, nem sofrido ou sinônimos. Acho é verdadeiro pra caramba. Nana canta com uma verdade cruel - essa foi outra coisa que disseram no documentário e que eu também concordo.
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Eu me emociono com música de um jeito específico. Tá lá na pastinha "emoção musical". É diferente das outras emoções. Me emociono com a música, me emociono com quem se emociona com a música que me emociona e me emociono com quem faz a música que me emociona. Tudo isso tá lá nas sub-pastinhas dentro da pastinha "emoção musical".
E aí por isso acho o maior barato esses documentários todos. "Uma noite em 67". "Música é Perfume". "Coração Vagabundo". E acho outro barato os livros. Fui muito feliz a cada página lida do "Os sonhos não envelhecem". E tenho uma penca de amigas apaixonadas pelo Lobão de um jeito diferente pós-livro "50 anos a mil".
Não foi por outro motivo que presenteei, cheia dos interesses egoístas, o meu pai com o "Gonzaguinha e Gonzagão, uma história brasileira", e a senhôura minha mãe com a biografia do "tremendão" que já está ali na minha cabeceira aguardando a sua vez.
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Eu, que já gostava um tanto assim de Nana Caymmi (e como é que não se gosta de um Caymmi vindo todos daquela árvore linda chamada Dorival?) saí da sala de cinema na maior vontade de jogar uma partidinha de canastra com ela. Deixava até ela bater! Só porque ficou muito claro que quando ela faz uma canastra-real enche o pulmão e solta um palavrão terrível entoado assim numa nota bem grave.
É, porque agora eu sei que ela joga canastra, fala palavrão, tem um senso de humor ótimo, nunca cantou baixinho nenhuma bossa nova e nem viu graça nenhuma na Tropicália, mesmo tendo sido casada com Gilberto Gil.
Mas se teve uma coisa que me fez gostar mais ainda da Nana, foi ver que quando ela ouve uma gravação daquelas que mexe com os brios, não conta conversa: puxa os cabelos pra cima, bagunça tudo, embaraça, se descabela, sabe do que eu tô falando?
Olha, eu respeito muito quem se descabela assim instintivamente, como uma consequencia natural de uma emoção. Como quem diz "Gente, que coisa mais linda, pra quê penteado diante disso?".
Aí, ficou tocando na minha cachola à dentro, a noite toda, "Caju em Flor", do João Donato. Com a voz da Nana. E eu me descabelando. Daquele jeito. Tão lindo, né, gente, pra quê cabelo desembaraçado diante disso?
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CAJU EM FLOR: Nem você sabe a sorte que me dá / A você, de amor, eu lhe chamar / Ser seu bem sob o céu de Oxalá / Meu anjo bom, meu manacá / Em Belém, onde tudo aconteceu / Eu senti no momento em que bateu / Encontrei esse amor que vem de lá / Caju em flor / Meu bem vem cá / Nem parei pra pensar se dava pé / Me deixei arrastar pela maré / Naveguei ao sabor do Rio-Mar / Esse amor que eu guardei / Foi presente de Yemanjá.
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Música é um troço genial. Não é?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

São João, olhai por nós!

Gosto de São João de um jeito assim que às vezes empata com o Carnaval.
Aí, propus aos amigos vatapá, mingau de milho, fogueira, sanfona e banho de cheiro.
A chamada: QUEM TOPAR LEVANTA O DEDO, PINTA O DENTE DE PRETO, VESTE XADREZ E FAZ UM BALANCÊ!

Aí, vieram os MELHORES comentários do mundo: 
D: Pintar o dente? Essa festa vai ser tão foda que eu vou é TIRAR um dente da frente! 
W: E aí, que eu já comecei a estocar leite para deixar para a nenen. Não sei quando meu organismo estará limpo novamente para amamentar! hehehehehe. Isso é sério!
H:  Cuidado pra nao confundir o leite da canjica pelo amor de Deus!

Aí, veio a amiga produtora toda tabalhada na megalomania: 
R: Minha sugestão é contratar a Dona Rosana da Tapiocaria Paraense.Vê quantas pessoas confirmam presença e quanto ela cobraria por cabeça. Define menu: tapiocas, vatapá, canjica...
Da última vez cobramos X por pessoa com direito a tudo: bebida, comida e pagamos a estrutura de som.Compra umas bandeirolas para enfeitar o sítio,  foguetes, estalinhos, etc. Contratamos uma estrutura básica de som e luz. Chama os Djs Se Rasgum (rsrsr) e os amigos e tá feita a festa! : )Ha, tem que rolar o casamento na roça! Definir o Padre e o casal!! Quem é que vai casar em breve?! rsrsrs
M: Amiga, pinta o dente e vem! É o que importa.  

Aí, vieram os casamentos: 
N: Ahhhh!! Eu queria aproveitar pra casar "de verdade" com meu marido. Posso ser a noiva?!
M: Eu, por mim, todo mundo se casa diante dessa fogueira! Tô casamenteira que é uma coisa! Na falta de casal, sobra padrinho e fica tudo certo. =)
J: Vou levar uma batina porque serei eu o padre e como padre moderno que sou, celebrarei um casamento coletivo e liberal, casarei todo mundo que tiver a fim: casarei homem com mulher, mulher com mulher, homem com homem com homem, casarei mulher grávida de grinalda, casal separados...só não casarei menor de idade porque o Supremo ainda não permitiu e porque também não iria casar mesmo.

E as caipiras assanhadas: 
B: Casamento (até na roça)? Tô fora! Mas proponho uma barraca do beijo...hehehehehe
R: Pra beijar não precisa de barraca, tá liberado, não tá, produção?

E uma ótima conclusão:
R: A qualidade da festa se mede pelos preparativos.Uma vai estocar leite, um vai virar padre, o outro vai arrancar um dente.Vamos observar.

 BALANCÊÊÊ!!!
 

segunda-feira, 6 de junho de 2011

"Entrar y salir de fase"

Deram um sossega-leão na minha constante vontade de viajar.
Sei lá como diabos se deu isso. Mas se deu. Sossega-leão! Mortinha da Silva a vontade.
Nem show de beatle, nem semana santa e nem uns papinhos sobre N.Y. e Dubai me animaram. Coisa séria.
Aí surgiu uma historinha aqui outra ali sobre ir a Caracas. Festival de música. Companhias boas. ~Praia~. Pareceu haver um batimento cardíaco na vontade, mas nem...devia ser aqueles reflexos automáticos do organismo aos estímulos. 
Depois, e eu não sei bem como foi, o site da FLIP abriu sozinho (juro!) bem no meio da minha vista. Ouvi um suspiro da vontade vindo d´algum lugar. Ouvi mesmo. Mas foi só um suspiro. Muito perto, mal daria pra planejar, e o trabalho novo, e ir parar no RJ outra vez...passou.
Pisca janelinha no GTalk convidando pra uma escapadinha para Machu Pichu. Fez-se um trocadilho sensacional infame em 5 segundos e o que era um suspiro transformou-se numa puxada de ar daquelas de encher o diafragma e fazer a respiração completa da yoga, sabe como é?
Eita que desembestou-se a vontade e os dedos dela feito loucos danaram-se a passear pelo mochileiros.com e por albergues e por voegol e por essas coisas todas que ajudam a levar a gente pra longe, lá de longe, onde toda a beleza do mundo se esconde...
E ao final do dia, já estava decidido o destino (que nem é Caracas, nem Paraty, nem Machu Pichu DaMinhaPicha), a data, a formidável companhia e já tínhamos um bando de dedos cruzados para aumentar a caravana.
Quanto ao sossega-leão, canto pra ele: 

"Ir y venir, seguir y guiar, dar y tener,
Entrar y salir de fase.
Amar la trama más que al desenlace,
Amar la trama más que al desenlace..."
(Jorge Drexler)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

~PRAIA~

Para ficar em paz:

1-Dirigir por três horas ouvindo música boa; 2-Levar na garupa um neném que acorda sorrindo, se alonga e estala os dedinhos com os braços pra cima pra dançar; 3-Esfoliação com hidratante e açúcar, depois óleo de pitanga e depois banho de mar; 4-Dançar Moraes Moreira na praia como se deserta ela fosse - porque dentro da menina ainda dança; 5-Ouvir a história do grande amor da vida de uma amiga de 86 anos de idade - houve um baile de carnê, um Grande Hotel, uma canção composta e mais de 50 anos de desencontro; 6-Fazer uma amiga de 86 anos de idade; 7-Pôr do sol; 8-Descobrir o achocolatado mais gostoso do mundo - e não lembrar o nome dele; 9-Chorar pelo que normalmente se ri - a história de uma  sandália Havaiana do Batman; 10-Rir do que normalmente faz chorar - os desamores; 11-Tentar responder os porquês de um menino perguntador de 03 aninhos de idade; 12-Fotografar digital, analógico, manual, automático, com foco, desfocado etc; 13-Tirar proveito de um belo contra-luz; 14-Batida de côco, Licor 43 e um Cabernet Sauvignon - e não haver ressaca; 15-Ficar tão íntima de Baco, deus do vinho, que ele virou Deco, parceiro nosso; 16-Céu estrelado; 17-Dormir sem esforço (e sem pensar); 18-Acordar sem ter hora (e sem pensar); 19-Almoçar com barulhinho de maré ao fundo; 20-Voltar.

 Deixa eu me deitar na tua ~praia~

segunda-feira, 30 de maio de 2011

AVISO

"Imagina, você, que eu estava sem meus óculos! Sabe que quando eu estou sem óculos já não escuto muito bem... E aí, eu estava tão rouca, mas tão rouca, que até a voz da minha consciência tava saindo assim muito baixiiiiinha. Quase afônica a consciência minha. Não ouvi, né. Tsc, tsc..."

Ou seja.

Existe esse talento horroroso incrível para nunca faltar à ponta da língua uma explicação daquelas que desarma qualquer ser humano do outro lado do diálogo que teria todos os motivos do mundo para dar uma senhora bronca.

Portanto, VOCÊ AÍ que está prestes a cometer um desatino, um aviso: não venha me pedir conselhos, não!

Porque eu tenho uma caixinha cínica mágica cheia de desculpas ótimas para todos os meus próprios e posso acabar emprestando alguma.

P.S. Se for um desatino dos bons, tenho uma seção especial só com as melhores. Não se aproxime! (Se não quiser MESMO cometê-lo).

terça-feira, 24 de maio de 2011

E se...?

- O que eu faço com a minha saudade? Dobro e guardo no bolso?
- Teu pijama tem bolso? Porque tenho um pijama que tem bolso e nunca entendi pra que servia. Acho que descobriste.
- Não vejo utilidade melhor.
- E se ao dobrar a saudade, a saudade dobrar?

Talvez nós tenhamos descoberto a serventia de um bolso no pijama.
Será pra dobrar a saudade e guardar ali antes de dormir?

Tem saudade dobradinha que nem Origami. Colorida e com cheirinho nostálgico.
Tem mesmo! Mas também tem saudade bolinha de papel com chiclete grudado dentro.
Saudade grudenta, preguenta, que vai e volta, mancha, faz sujeira...argh!

E se esquecer a saudade no bolso e pôr o pijama pra lavar?
Será que saudade desmancha na água?
Se bem que a saudade já é mesmo meio molhada...

E se a saudade dobrada, redobrada e molhada, criar vida própria e se desdobrar por aí?
Levemos a saudade para passear!



*Este post foi escrito a muitas mãos, via facebook, com a colabaração de Luana Oliveira, de Gilda Ribeiro e de Rafael Guedes que teve um ataque de fofura e disse que leva a saudade que sente da gente no bolso d´uma bermuda de usar no sítio. =)

domingo, 22 de maio de 2011

Para guardar rancor/Para guardar amor

O tema debatido noite a dentro foi rancor. Pesado, né? E se pesa só de falar ou escrever, imagina o peso do acúmulo de um monte desses no decorrer da vida.
Eram duas as protagonistas do debate. Uma lembrava de já ter sido muito rancorosa e de hoje, simplesmente, não ser mais. Ou quase não ser. E a outra, dona de um dos melhores corações já vistos, se intitulava rancorosa com orgulho.
Claro que todos os demais debatedores envolvidos, todos muito queridos, sabiam que nem aquela havia garantido seu lugarzinho no céu por estar no time dos sem-rancor e muito menos a outra deixava de ser a dona de um dos melhores corações que conheciam por carregar nele esse desagradável peso. Mas a história rendeu.
A primeira contava que se alguém aprontava com ela na quinta-feira, no sábado já havia esquecido totalmente as razões da mágoa. Que mágoa?. A duração do seu rancor era de mais ou menos 48hs. Ia ficando pequeno até sumir. A outra falava com as mais vívidas lembranças de coisas que aconteceram há anos. E tudo seguia do mesmo tamanho.
E com toda a leveza que se era possível, graças ao amor que os debatedores tinham entre si, construiu-se e destruiu-se argumentos, fez-se piadas, detectou-se confusões. Porque a gente confunde mesmo as coisas. Será que não guardar rancor é sinônimo de se deixar fazer de bobo? E será que para fazer valer o amor-próprio é preciso guardar rancor? Então é assim: os bobos, deixam pra lá, e os cheios de personalidade, levam a ferro e fogo. Que nada! Ali a prova, eram duas bobas e cheias de personalidade, mas com níveis de rancores absolutamente diferentes, e tudo bem.
De qualquer forma, é certo que voltaram pra casa, as duas, ponderando seus rancores (e não-rancores). Soube que a primeira decidiu fazer um caderninho, escrever na capa "Para Guardar Rancores" e anotar ali as 'malvadezas' que lhe fizessem para o caso de precisar lembrá-las. É que ficou dito no debate que é bom, às vezes, lembrar desses desagrados. Não entendeu muito quando nem porquê, mas vai que de fato seja... E ela ficou de recomendar à outra que fizesse um caderninho e escrevesse na capa "Para Guardar Amores", e para cada anotação de amor ela podia riscar um rancor até, quem sabe, zerar a balança.
O dos rancores já foi feito. Por enquanto segue com as páginas todas em branco e bem guardado numa gaveta. Imagina-se que o que for, porventura, escrito, acabará virando anedota. Ou então ele pode ficar ali, na gaveta, em branco e esquecido. É também um destino provável.

...Ah, essas coisas que se guardam em gavetas nunca visitadas. Pra quê? Guardar rancor acumula mofo, dá ácaro. E como já é de conhecimento geral, eu sou alérgica. Não posso. Recomendações médicas.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Chororô

Aquele dia em que a gente chega em casa dando um reino por um banho, cama e pés pra cima e...cadê as chaves? Minha expectativa era de passar pelo menos duas horas pro lado de fora esperando alguém chegar. Juro que deu vontade de chorar.
Mas aí descobri que no hall do prédio tem um banco de balanço. Não é um banco que balança, nem é bem um banco, é tipo uma namoradeira, assim, acolchoadinha, gostosa, e que balança.
Me estiquei ali, peguei um livro na bolsa pra ler e pronto. Estava apta a sobreviver às próximas duas horas. Queria escrever um bilhetinho e colocar por baixo da porta da síndica pra agradecer. Tava tudo bem ali, sério. Deu até vontade de chorar de novo.
Opa, péra lá, chorar de novo? Como assim? Pois é. Foi quando me dei conta - pra fora de casa, suja, cansada, pernas esticadas no banco que balança do hall do prédio - que eu ando muito chorona, muito!
Guardei o livro, a síndica apareceu, eu ofereci o maior sorriso que eu tinha, ela riu sem jeito e apressou o passo, o que acho compreensível.
E aí decidi passar a próxima hora fazendo um pequeno dossiê dessa minha fase “faca de cebola”. Comecei a listar as coisas que ultimamente muito emocionaram esta banana que vos fala. Acontece que a lista ficou meio compriiiiiida, e achei melhor me ater a falar só de 05 chororôs. Deixo os demais anotados no caderninho mesmo.  

Dureza. No filme "Como esquecer?", a personagem Julia (Ana Paula Arósio) pede ao amigo que a amarre numa cadeira. E passa o dia inteiro ali. Amarrada. Sozinha. Em silêncio. Não consigo falar muito sobre a cena. Imagino que ela cause as mais diversas impressões. Eu vi ali tanta coisa. Uma dureza enorme consigo mesma. Uma covardia corajosa (ou uma coragem covarde?) para lidar com a dor da perda. E, por outro viés, uma lealdade e confiança tão bonita de ver entre amigos. Dessas que torna possível entregar na mão do outro e sem questionamentos o seu próprio absurdo e, tudo bem. Eu chorei pelos dois. Por quem é duro consigo mesmo e por quem está ao seu lado e não pode fazer outra coisa a não ser estar ao lado.



Ternura. Exposição "Mínimo, Múltiplo e Incomum", da Keyla Sobral. Já faz meses que vi, mas basta apertar o botão da lembrança e tudo me vem. Não consegui chegar ao final da primeira parede de desenhos sem chorar. Cada um tocava num pedaço de memória e explodia um mundo feito campo minado. Mas em silêncio. Tudo é afeto. Tanta ternura. Daquelas que conversa com o pequenino dentro da gente, sabe. Dava até vergonha de estar assim tão tocada no meio das outras gentes. Mas estou certa que levantasse a vista, constataria que  as gentes todas  estariam tocadas também. Não olhei. Não quis mesmo importunar o  diálogo silencioso que podia estar se travando com o terno de cada um.

Inocência. A Culpa é do Fidel. Aluguei o filme pela capa e pelo título. Acertei. Bom de ver. Fotografia bonita, drama e humor sutis. Aí tem essa garotinha que se chama Anna e fica muito confusa com a mudança repentina dos seus abastados pais que se transformam em "barbudos, vermelhos, comunistas", tudo culpa do Fidel! Mesmo que o filme se passe na França e que o comunismo do pai da menina tenha origens chilenas. La faute à Fidel! E a menina é de uma rabugice encantadora. Tem uma cena na escola de Anna em que ela confunde ser solidária com seguir a maioria. E fica muito aborrecida porque seus pais ensinaram errado. Como saber quando é um e quando é outro? Eu chorei quando ela entendeu. E é muito bonito ver o caminho que Anna percorre até passar a pensar por ela mesma. Porque solidariedade não se aprende assim mesmo, se forma.

Sermão. Não sou dada a padres. Não é nada pessoal, mas não sou. Acontece que ouvi um sermão iluminado no casamento de uma amiga amada que, sério, chorei a celebração inteira. Falei pra ela. Aquele padre foi um divisor de águas. Sou uma antes e outra depois daquele sermão. Ele falava sobre o fato de todos nós sermos luz e sombra. E que quando a gente casa, casa com a luz e com a sombra do outro. Vai no pacote. Não leva um se o outro não for. E eu, maquiagem borrada, já incrementava em pensamento o sermão do padre. Claro que há dias em que acordamos sombra e o outro acorda luz. E o contrário também - como não havia de ser? E é claro que isso tudo deve ser mesmo muito difícil. Mas imagina quanta coisa boa a gente pode viver nessa penumbra!


Lariri. Chorei no primeiro "Lariri..." da música nova do Chico cantada pelo próprio e pela Thais Gulin. E não é porque é do Chico. Se bem que temos todos que convir o qüão difícil deve ser conseguir continuar sendo "o" Chico Buarque depois de ser "o" Chico Buarque há tanto tempo! Ele é incrível. O Chico Namorando Buarque. Acontece que ele letrou com maestria aquela nossa burrice/cegueira/autoenganação de quando estamos abestalhadamente apaixonados. "Ah se eu soubesse..."? Que nada! Ainda que soubéssemos faríamos tudo igualzinho! O Chico canta cinicamente a nossa mentirinha de amor. "Casava com outro se fosse capaz...". Mentira! "Ah, se eu pudesse não caía na tua conversa mole outra vez...". Mentira! "Fugia nos braços de um outro rapaz....". Mentira deslavada! "Mas acontece que eu sorri para ti...e aí...larari, larara, lariri, lariri..." E toda a verdade mora nesse lariri. O Chico Sabido Buarque.