sexta-feira, 8 de julho de 2011

Diga-me o que cantas e te direi os males que espantas

Não sei o tipo de curto circuito que deu na minha cabeça enquanto dormia, mas o fato é que acordei e passei o dia IN-TEI-RO com uma música do Raça Negra a tocar no pensamento.
 “Então vem (então vem) / maltrata de vez (maltrata de vez) / 
estou com saudade e a tua maldade me faaaaz deliraaaaar / 
Te perder (te perder) / Eu não vou resistir (eu não vou resistir) / 
Eu vivo sofrendo, estou te querendo nasciii pra vocêêê...”

Acho engraçada essa dorzinha de cotovelo dos pagodes românticos. Ninguém se esgoela, sabe? Ninguém grita, ninguém puxa cabelo. Está lá a dor, a perda, a saudade, a traição, mas tudo se canta dançandinho em passos iguais, para um lado e para o outro, e com cara boa. É engraçado o sofrer do pagode.

Totalmente diferente, por exemplo, do sofrimento do samba. O sofrimento do samba é classudo, é d´outro nível! Por mais sofrível que seja, o sofrer do samba é um sofrer digno. Acho lindo o sofrer do samba. Acho mesmo.

Zi, amiga minha, ficou, então, achando que poderíamos fazer uma escala do sofrimento. Uma linha. Do sofrimento light ao completo descabelamento.

Adverti, logo. Descabelamento é com Bethânia!
 "Vou te envolver nos cabelos / Vem perde-te em meus braços / 
PELO AMOOOR DE DEEEUSS / 
Vem que eu te quero fraco / Vem que eu te quero tolo / 
Vem que eu te quero todo meu"

Ninguém que já tenha ouvido esse “PELO AMOOOOR DE DEEEUS” gritado por Bethânia pode passar incólume a essa vontade de puxar os cabelos. E se saiu ileso disso, olha, não veio mesmo ao mundo para se descabelar!

Pra não ser injusta, colocaria no mesmo patamar deste “peloamordedeus”, Elis Regina cantando “Atrás da Porta”, naquela parte em que o grito vai crescendo e depois vai decrescendo até virar um murmuro:
 “E me arrastei / e te arranhei / e me agarrei nos teus cabeeeeeelos / 
no teu peeeeito / teu pijaaaaama / nos teus pés / ao pé da cama...".

Ê, laiá.

No extremo oposto do descabelamento, Zi sugeriu Jorge Aragão. Fazendo jus àquele primeiro raciocínio de que o sofrimento do pagode é light. O sofrer do Jorge Aragão é do tipo que já passou. O cara tá ali contando pros amigos como foi, mas já tá meio superado, com a cara boa, sorrisão, dançandinho e coisa e tal.
 “Logo, logo, assim que puder vou telefonar. / Por enquanto tá doendo. / 
E quando a saudade puder me deixar cantar/ vou dizer que andei sofrendo..”

Enquanto eu cantava, Ziralda lá, fazendo reguinha e pondo fotos dos ícones com o trecho da música ao lado, e nos lembramos, quase que ao mesmo tempo, do nosso querido Fagner. Como deixar de fora?

O sofrer do Fagner é um sofrimento rasgado. Com vogais abertas. Com sotaque. Com olho fechado. “Deslizes” é o cúmulo!
 "Não sei porque insisto tanto em te querer. / Se você sempre faz de mim o que bem quer / (...) / 
E é assim que eu perdôo teus deslizes / e é assim o nosso jeito de viver / 
Em outros braços tu resolves tuas crises / Em outras bocas na consigo te esquecer"

Sofrer de Fagner tá no mesmo patamar do sofrer de Fafá de Belém. Tudo com sotaque e vogal aberta e olho fechado. Classificaríamos (será?) como um sofrer regional? Não sei. Há que se pesquisar.

Daí, passei à minha teoria do sofrer classudo. O sofrer do samba. Ih, o que não falta é exemplo. Espia a classe do Cartola:
 "Chora, disfarça e chora / aproveita a voz do lamento que já vem a aurora. / 
A pessoa que tanto queria, antes mesmo de raiar o dia / deixou o ensaio por outra / 
Oh! triste senhora / Disfarça e chora"

Pura classe! E a lindeza da Dona Ivone Lara cantando “Mas quem disse que eu te esqueço?”:
 “Tristeza rolou nos meus olhos do jeito que eu não queria / E manchou meu coração, que tamanha covardia / Afivelaram meu peito pra eu deixar de te amar / Acinzentaram minh'alma, mas não cegaram o olhar /  Saudade amor, que saudade / Que me vira pelo avesso, e revira meu avesso / Puseram uma faca no meu peito / Mas quem disse que eu te esqueço / Mas quem disse que eu mereço”

Ficou decidido, então, que em estima à beleza e à elegância do sofrer do samba ele não entraria na nossa escala.

Apartado o samba, encaixamos na escala o sofrer da Katya Cega. Não só em nome do politicamente correto preenchimento da cota dos PNEs, mas por cantar a verdade-verdadeiríssima de que não está sendo fácil mesmo pra ninguém:
 “Não está sendo fácil / Não está sendo fáááciiil / 
Não está sendo fácil viver assim, você está grudado em mim...”

E aí, foi mais ou menos assim, nesse caminho e nesse gracejo, que Zi compôs a escala-da-fossa mais incrível do mundo inteiro. Sério! Ainda colocou um bônus lá que... só vendo, só vendo.

Eu juro que queria distribuir pra ajudar os aflitos. Tipo aqueles santinhos de Santo Expedito que dão por aí com a poderosa oração no verso. Um empreendimento totalmente altruísta. Mandar fazer milheiro e tudo, sabe? Porque não deixa de ser uma causa justa e urgente, não é? Mas no lugar do “Devolva-me a paz e a tranqüilidade, Meu Santo Expedito”, bastaria dar play na faixa bônus escalada por Zi. Diz se não tenho razão:

 (arte da maior qualidade da minha querida Zi, a quem conhecem por Luena Chaves)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sobre pêlos, peito e cotovelo

Encravou-lhe um pêlo no peito.
Pêlo, assim, com acento circunflexo mesmo. A reforma ortográfica que vá às favas, porque é o seu próprio pêlo, encravado no seu próprio peito, e o mínimo que lhe cabe é dar-lhes a grafia que quiser.
Lembrou da história que Helena contou sobre o livro do Haroldo Maranhão. Um que narra as aventuras de Filipe Patroni. Tá, não era bem sobre pêlo encravado no peito o que Helena contou. O livro era o "Cabelos no Coração", e a ideia da expressão, salvo engano de interpretação, é a de que a pessoa é tão dura/cruel/sem compaixão que nascem-lhe cabelos no coração.
Lembrou disso porque o livro muito lhe interessou e ficou de procurar nas estantes virtuais da vida. Só por isso. Porque insensibilidade não era o caso da personagem do pêlo encravado. Vixe! Longe de ser!
E como se não bastasse todo esse abuso de licença poética, encravou-lhe um pêlo no cotovelo.
Desse jeito mesmo, tipo piada pronta, se de verdade não fosse.
Tinha um pêlo encravado no peito e outro encravado no cotovelo.
O do peito estava lá, feio e tudo mais, mas indolor. O do cotovelo, argh, inflamado, dolorido...Encostar os braços na mesa pra pensar, nem pensar! Pensar dói uma dor aguda quando se tem um pêlo encravado no cotovelo.
E como tudo isso começou a parecer muito uma metáfora de outra coisa, adentrou-se de uma vez no sentido figurado da questão. Por que não? Foi quando recomendaram-lhe: "Espreme eles! Espreme, mas não esquece de ler o que tem dentro". No que respondeu: "Mas e se peito e cotovelo não falarem a mesma língua?".
E não falam.
Moral da história: o cotovelo não age conforme o peito; e, menos ainda, peito nenhum age conforme o cotovelo.