terça-feira, 30 de agosto de 2011

Customizando mandinga pelo mundo

Já ouviu falar em customização de mandinga? Pois é. Inaugurou-se a prática no Reveillon deste ano e, desde então, a arrumação não parou mais. Exemplo: uma amiga, cuja identidade preservarei, pegou o seu vidrinho de perfume "chora-aos-meus-pés" e tascou-lhe dentro o nome completo - sem abreviações - de um dito cujo. Porque? Ora, como é que o perfume ia descobrir sozinho quem ela queria que chorasse aos seus pés, não é mesmo? Achei justo. Tasquei logo no meu vidrinho de perfume "chama-dinheiro" um papel dobrado com um valor de salário que me apetecesse - com cifrão, vírgula e deixando bem claro que era valor mensal, nada de parcela única.

Tá. Aí, caminhando pela 18 de julio, em Montevideo, me deparo com a Fuente de los Candados, uma fontezinha muy hermosa, lotada de cadeados presos nela e uns nos outros, e uma plaquinha que assim dizia: "La leyenda de esta joven fuente dice que si se lo coloca un candado com las iniciales de dos personas que se aman, volveran juntas a visitarla y su amor vivira por siempre...".

Éramos três as brasileñas abobalhadas diante de tanta fofura. Todas com o coração ou vazio ou preenchido inadequadamente. É! Mas todas morrendo de vontade de prender um cadeadinho ali, sabe?
Primeiro seguimos, como quem nem se importa, mas foi pôr o olho num kiosko que vendia cadeados por ali que...aaah, vamo customizar, né?

Houve uma que achou melhor não arriscar. Não comprou cadeado nenhum e ficou por ali a admirar o amor dos outros e registrar a presepada das demais.
Houve uma que achou por bem escrever as suas iniciais e desenhar ao lado uns três corações e atribuiu à Fuente a responsabilidade de escolher uns donos bem bacanas para voltar com ela à Montevideo.
Houve uma que, na maior cara de pau, inventou para si mesma e para as demais, que ia desafiar a Fuente. (Ah, tá!). Tascou as iniciais do inadequado ao lado das suas, prendeu e nem olhou pra trás. Quer só ver se é verdade mesmo a tal lenda. An-han.

E que conste nesta história: que tudo foi escrito com lápis de olho; que estava chovendo; que, caso os corações vazios ou as iniciais do inadequado forem trazer algum mau agouro, autoriza-se desde já a customização automática da mandinga para que a chuva borre o lápis de olho no cadeado e a Fuente não consiga ler coisa alguma do que las chicas brasileñas escreveram.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Que chova rã enquanto toca o baião!

 
 Martina: preciso te contar um episódio rapidola. cabe?  Eu: cabe. cabe uma penteadeira. Martina: sábado ganhei de aniversário o disco novo do Chico. ouvi domingo enquanto fazia um escondidinho de macaxeira com carne seca DOS DEUSES lá em casa  daí enquanto rolava uma faixa que é um baião eu soltei "ai, gente, tão Yara* isso..."aí a Luana: "cara, pois eu quero te dizer q é a música favorita dela"
 Eu: ééééééé. é mesmo! poutaqueôpariu, vou chorar.
 
 Martina: eu te juro pela saúde do Matheus*
 Eu: martina, onde tá a menina escrota que eu tinha dentro de mim? ai, agora é tudo um marejamento só, credo.
Martina: não é da minha época. desculpa te dizer isso assim.  Eu: mas, me diz, SÓ ME DIZ, o que é aquilo do coração que o indivíduo ora enche ora esmaga que nem fole de acordeão? EGUA! olha, eu dei um grito mesmo quando ouvi essa música a primeira vez porque juro pra ti que ja tinha pensado nisso, mas nem sou o Chico pra conseguir fazer sair do pensamento assim pronto pra consumo, saca? Martina: saaaaco
 Eu: "Meu coração / Que você sem pensar / Ora brinca de inflar / Ora esmaga. / Igual que nem / Fole de acordeão / Tipo assim num baião / Do Gonzaga"*
 Martina: hahahahahahahha. cara, o que todo mundo quer é um amor, olha. QUE CHOVA RÃ SE EU TIVER FALANDO MENTIRA!
 Eu: ééééééé. é isso!
  Martina: daí a gente tem, né. aí a gente reclama ama ama ama
 Eu: éééééé. é uma maluquice esse negócio de amor, bicho. uma maluquice!
   __________________________________________________*Yara, por um acaso, sou Eu. Ou é como a Martina me chama, entre outras variações.*Matheus é o sobrinho lindo cor de caramelo da Martina que ela ama muito e que só jurou por ele porque é a mais pura verdade. *E aqui está a riqueza de música do Chico que contem a "metáfora mais bonita da cidade": [Tipo um baião - Chico Buarque]

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O moço que canta

Na frente da minha casa mora um moço que canta.
Canta pra rua, quero dizer. Como se não morássemos no centro de Belém. Como se não houvesse um barulhento ponto de ônibus entre a minha janela e o portão da casa dele. Como se a cidade não fosse um caos.
Ele lá, cantando pra rua. Um vozerão tão "ão" que inunda o quarteirão inteiro.
Há alguns anos, ainda nem havia pêlos brancos na barba do moço, ele andava de patins enquanto cantava. Eu achava o máximo! Geralmente à noite, ele ia até a esquina e voltava. Da janela, ficava acompanhando o volume da voz aumentar e diminuir enquanto ele ia e vinha, da Avenida Braz de Aguiar à Avenida Nazaré, cantando sobre os patins.
Agora não tem mais patins. A mocidade do moço já não é mais tão moça assim. Mas cantar, ele ainda canta.
Canta e varre a calçada. Canta e dá bom dia, e dá boa tarde e dá boa noite. Canta escorado no portão, voz impostada, braços ritmados, presenteando quem passa...sorte de quem é pedestre, porque esses vão ter um pouquinho mais de tempo pra aproveitar o show.
Digo show porque o moço que canta, canta muito bem. Não tenho muito conhecimento a respeito da classificação dos timbres e coisa e tal, mas imagino que ele seja um barítono. E um barítono com gosto musical irretocável.
Pois na frente da minha casa mora esse moço. Que andava de patins à noite. Que canta lindamente pra quem passa. Que é barítono por classificação abusada minha. E que em tudo se afina com as minhas preferências musicais.
Não sei como ele se chama. Não sei quase nada sobre a história dele. Já ouvi dizer que é um moço muito inteligente. Sei que muito se interessa por política, pois em épocas eleitorais, entre uma música e outra, há apaixonados brados ativistas. E sei que ele é muito querido, pois no dia do seu aniversário havia uma faixa enorme pendurada na sacada da casa, em nome da família, lhe dando parabéns e lhe declarando amor.
Uma vez por ano encontro o moço em outro endereço. O reconheço (reconheço a voz e de imediato encontro ele na multidão), todo bonito e vestido de branco, cantando no coral do Círio na arquibancada da Avenida Presidente Vargas, um pouco mais pra frente do Teatro da Paz. Ele é sempre um dos mais alegres e é das vozes mais bonitas ali emprestada para homenagear a Virgem e enfeitar a procissão.
Eu sempre o aponto, como vizinha orgulhosa, pra quem está ao meu lado: tá vendo aquele moço ali, ele mora na frente da minha casa e canta desse jeito aí, bonito bonito, quase toda noite.
Já tive vontade, inúmeras vezes, de fazer pedidos ou de parar um poquinho e aplaudir. Nunca tive coragem. Mas sempre passo sorrindo e faço um esforço enorme pra ele perceber que eu não só passei.
Queria que o moço que canta soubesse que, por ele, eu diminuo o passo, cantarolo baixinho e sorrio mesmo como se aplaudisse.
Um dia ainda faço um pedido. Tenho uma lista. Um dia ainda paro e aplaudo.