terça-feira, 17 de maio de 2011

Chororô

Aquele dia em que a gente chega em casa dando um reino por um banho, cama e pés pra cima e...cadê as chaves? Minha expectativa era de passar pelo menos duas horas pro lado de fora esperando alguém chegar. Juro que deu vontade de chorar.
Mas aí descobri que no hall do prédio tem um banco de balanço. Não é um banco que balança, nem é bem um banco, é tipo uma namoradeira, assim, acolchoadinha, gostosa, e que balança.
Me estiquei ali, peguei um livro na bolsa pra ler e pronto. Estava apta a sobreviver às próximas duas horas. Queria escrever um bilhetinho e colocar por baixo da porta da síndica pra agradecer. Tava tudo bem ali, sério. Deu até vontade de chorar de novo.
Opa, péra lá, chorar de novo? Como assim? Pois é. Foi quando me dei conta - pra fora de casa, suja, cansada, pernas esticadas no banco que balança do hall do prédio - que eu ando muito chorona, muito!
Guardei o livro, a síndica apareceu, eu ofereci o maior sorriso que eu tinha, ela riu sem jeito e apressou o passo, o que acho compreensível.
E aí decidi passar a próxima hora fazendo um pequeno dossiê dessa minha fase “faca de cebola”. Comecei a listar as coisas que ultimamente muito emocionaram esta banana que vos fala. Acontece que a lista ficou meio compriiiiiida, e achei melhor me ater a falar só de 05 chororôs. Deixo os demais anotados no caderninho mesmo.  

Dureza. No filme "Como esquecer?", a personagem Julia (Ana Paula Arósio) pede ao amigo que a amarre numa cadeira. E passa o dia inteiro ali. Amarrada. Sozinha. Em silêncio. Não consigo falar muito sobre a cena. Imagino que ela cause as mais diversas impressões. Eu vi ali tanta coisa. Uma dureza enorme consigo mesma. Uma covardia corajosa (ou uma coragem covarde?) para lidar com a dor da perda. E, por outro viés, uma lealdade e confiança tão bonita de ver entre amigos. Dessas que torna possível entregar na mão do outro e sem questionamentos o seu próprio absurdo e, tudo bem. Eu chorei pelos dois. Por quem é duro consigo mesmo e por quem está ao seu lado e não pode fazer outra coisa a não ser estar ao lado.



Ternura. Exposição "Mínimo, Múltiplo e Incomum", da Keyla Sobral. Já faz meses que vi, mas basta apertar o botão da lembrança e tudo me vem. Não consegui chegar ao final da primeira parede de desenhos sem chorar. Cada um tocava num pedaço de memória e explodia um mundo feito campo minado. Mas em silêncio. Tudo é afeto. Tanta ternura. Daquelas que conversa com o pequenino dentro da gente, sabe. Dava até vergonha de estar assim tão tocada no meio das outras gentes. Mas estou certa que levantasse a vista, constataria que  as gentes todas  estariam tocadas também. Não olhei. Não quis mesmo importunar o  diálogo silencioso que podia estar se travando com o terno de cada um.

Inocência. A Culpa é do Fidel. Aluguei o filme pela capa e pelo título. Acertei. Bom de ver. Fotografia bonita, drama e humor sutis. Aí tem essa garotinha que se chama Anna e fica muito confusa com a mudança repentina dos seus abastados pais que se transformam em "barbudos, vermelhos, comunistas", tudo culpa do Fidel! Mesmo que o filme se passe na França e que o comunismo do pai da menina tenha origens chilenas. La faute à Fidel! E a menina é de uma rabugice encantadora. Tem uma cena na escola de Anna em que ela confunde ser solidária com seguir a maioria. E fica muito aborrecida porque seus pais ensinaram errado. Como saber quando é um e quando é outro? Eu chorei quando ela entendeu. E é muito bonito ver o caminho que Anna percorre até passar a pensar por ela mesma. Porque solidariedade não se aprende assim mesmo, se forma.

Sermão. Não sou dada a padres. Não é nada pessoal, mas não sou. Acontece que ouvi um sermão iluminado no casamento de uma amiga amada que, sério, chorei a celebração inteira. Falei pra ela. Aquele padre foi um divisor de águas. Sou uma antes e outra depois daquele sermão. Ele falava sobre o fato de todos nós sermos luz e sombra. E que quando a gente casa, casa com a luz e com a sombra do outro. Vai no pacote. Não leva um se o outro não for. E eu, maquiagem borrada, já incrementava em pensamento o sermão do padre. Claro que há dias em que acordamos sombra e o outro acorda luz. E o contrário também - como não havia de ser? E é claro que isso tudo deve ser mesmo muito difícil. Mas imagina quanta coisa boa a gente pode viver nessa penumbra!


Lariri. Chorei no primeiro "Lariri..." da música nova do Chico cantada pelo próprio e pela Thais Gulin. E não é porque é do Chico. Se bem que temos todos que convir o qüão difícil deve ser conseguir continuar sendo "o" Chico Buarque depois de ser "o" Chico Buarque há tanto tempo! Ele é incrível. O Chico Namorando Buarque. Acontece que ele letrou com maestria aquela nossa burrice/cegueira/autoenganação de quando estamos abestalhadamente apaixonados. "Ah se eu soubesse..."? Que nada! Ainda que soubéssemos faríamos tudo igualzinho! O Chico canta cinicamente a nossa mentirinha de amor. "Casava com outro se fosse capaz...". Mentira! "Ah, se eu pudesse não caía na tua conversa mole outra vez...". Mentira! "Fugia nos braços de um outro rapaz....". Mentira deslavada! "Mas acontece que eu sorri para ti...e aí...larari, larara, lariri, lariri..." E toda a verdade mora nesse lariri. O Chico Sabido Buarque.

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