sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Na praia com Helena

Helena tentava ler o nome do ator de uma peça num cartaz que estava do outro lado da estação do metrô. Perguntou se eu tinha vista boa. Não tenho. E foi mesmo só a introdução da conversa porque foi a própria Helena quem conseguiu ler.
Bonita, longilínea, cabelos brancos cacheados (e cheios de viço!), sorriso largo, olhos de mar e sotaque paulista.
Quem levou Helena pro Rio foi seu 4º marido, e fez muito bem, pois a praia de Ipanema era a praia dela. Helena nadava "muito pra lá da arrebentação" quase todos os dias, e me mostrava o braço torneado para comprovar. Nem era preciso.
Aliás, ela estava morrendo de saudade de sua praia. É que há um ano, Helena teve um aneurisma cerebral, ficou 60 dias em coma - "Quase vou mesmo, coração parou e tudo!", ela me dizia - e agora teve que ir morar com o filho em Copacabana e nem pode fazer seus exercícios diários enquanto o fisioterapeuta não liberar. Ela já disse a ele, aos filhos, a todos, que está se sentindo ótima - o que de fato aparenta - mas prometeu não teimar.
O 1º marido de Helena era paraense. "É que vieram tantos depois desse" que ela não pôde identificar meu sotaque. Tão logo soube da minha procedência, quis pronunciar todas as palavras aprendidas: cupuaçu, jambu, Cairu... Foi quando Helena quis me acrescentar à família, me apresentaria o filho mais novo e quem sabe assim teria netinhas de olhos puxados indígenas e da cor dos dela. Encantador o humor de Helena.
E como Helena estava adiantada para a fisioterapia, achou por bem fazer uma horinha comigo na praia, a praia dela. Matou um pouco da saudade e eu não poderia ter melhor companhia. Em 30 ou 40 minutos batemos o maior papo do mundo inteiro, as boas histórias dos meus 28 anos em sotaque paraense e as boas histórias dos 70 dela em sotaque paulista, tudo ali, no sol, na areia e nas esfihas de espinafre do Mustafah em Ipanema.
Até que o relógio interveio na cena e Helena partiu à fisioterapia. Desejei ligeireza na recuperação e disse que fosse com cuidado. Ela me desejou um dia lindo e disse que eu era uma amiga adorável.

Algum tempo depois, um amigo pergunta se eu estive a manhã inteira sozinha na praia. Digo que não. Estive na praia com Helena. Acostumado aos meus gracejos, pergunta: "Sei... A Helena do Manoel Carlos, né? Na praia do Leblon?". Não, amigo, a minha Helena é de Ipanema e de Manoel Carlos não tem nada. Está muito mais pra Silvio de Abreu, Carlos Lombardi ou Gilberto Braga.

Um comentário:

Rosyan disse...

Essa é a habilidade que eu mais curto em você - uma cronista inata, com um texto fluente (com um português corretíssimo que, todavia, não lhe tira a leveza), criativa, observadora, vibrante, etc.. Tudo isso só prá lhe dizer que o Twiter é muito pequeno prá você e que consome um tempo muito precioso da sua trajetória possível no manejo das letras (que não cabe em 140 caracteres). Bem sei que, por causa desta mensagem, vão querer implodir com a véia aqui, mas vale o estímulo.