quarta-feira, 4 de junho de 2008

"Faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda viva e carrega a roseira pra lá..."

"Tu + Eu = dominar o mundo em breve."

Foi o último recado que a Ana Amélia deixou no meu orkut.

A gente não tinha muita noção de como íamos fazer isso, mas eu confiava nela e sabia que ia dar um jeito. Nosso ponto de partida nesse WAR que eu ansiava era a América Latina, em dezembro, quando eu ia segurar a mão dela no show da Tia Madonna em Buenos Aires.

Nossas mães, comadres que só elas, contavam histórias de viagens que fizeram na juventude, e nós, com nossa fértil imaginação sobre as histórias impublicáveis das comadres, queríamos repetir o feito e, porque não, ir além!

A Ana dizia que a gente ia "encriquilhar" juntas, assim como elas (com todo respeito às nossas senhoras!) e que isso ia ser muito legal. E como poderia não ser??

Falei pra ela que ia fazer um contrato pra gente assinar. "Que contrato que nada, Maíra. Cospe aí na tua mão, eu cuspo aqui na minha, a gente finge que aperta as mãos e pronto." Eu adorei a idéia e topei na hora.

Mas Ana Amélia me pregou uma peça e foi embora... Nós não encriquilharemos (mas eu levarei esse verbo comigo pra sempre!) juntas e esse mundo já nem é tão atraente assim pra se querer dominá-lo.

Ela tem muita sorte de ser tão adorável que eu prometo me chatear só um pouquinho de levar o jogo sozinha. E me arrepender só um pouquinho por deixar pra semana que vem o post que nós escreveríamos juntas. E prometo também ficar só um pouquinho triste por ter tido uns 20 anos pra aproveitar a Ana e sentir que só aproveitei mesmo, daquele jeito que de se lambuzar, apenas 1.

Desse ano:

guardo a mágica daquele momento que nos fez estreitar os laços e apertá-lo como se fosse nó;

guardo a surpresa da Ana com a minha palavra de levá-la pra passear assim que chegasse em Belém;

guardo a grata descoberta das afinidades;

guardo os apelidos de cada dia e as infindáveis tentativas de criar um jeito só dela de rir no msn;

guardo as consultas amorosas, profissionais, musicais, literárias e metafísicas que fazíamos uma à outra;

guardo os trezentos percursos Ipanema-Copacabana/Copacabana-Ipanema que fiz ela fazer esbaforida, blasfemando e pedindo pelo frio e pela poluição de SP;

guardo todos os recados que eu mandei ela dar ao Amarante nos shows da Orquestra que ela foi e eu não fui;

guardo a maratona de teatro no Satyrianas que começou às 8 da noite e foi até às 6 da manhã;
guardo o humor dos meus sonhos;
guardo meu Círio em São Paulo com pastel de feira e caldo de cana;

guardo o título de ser sua talismã para conseguir homens bonitos;

guardo o sorriso mais gigante desse mundo;

guardo o Reveillon que eu passei sem enxegar porque a Ana Amélia perdeu as minhas lentes;

guardo as caretas mais fotogências que se pode imaginar;

guardo os litros de cafeína engolidos na Avenida Paulista;

e guardo tantas, mas tantas outras coisas que começo a repensar se foi só mesmo aquele cadinho de tempo que eu aproveitei a Ana Amélia.

A nossa sorte - nós que ficamos para jogar esse jogo sem a Ana - é que ela era mesmo muito intensa e espalhou nesses 28 anos um bocado dessas historinhas ímpares entre os sortudos que a tiveram por perto. E nada disso vai diminuir a nossa saudade, quanto a isso nem ouso eufemismos.

Fico com a lição da Ana que me mostrou, na letra do nosso querido padastro, que outro caminho não há, pois eis que chega a Roda Viva e...


Roda Viva (Chico Buarque)
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

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