Ventava. Mas ainda era possível suar. Um suor acumulado do calor de um dia inteiro, calor de encher balde em ritmo inversamente proporcional ao das horas, mortas de preguiça de passar. Era final da tarde e sobrava suor.
A
mulher usava blusa de mangas compridas. Roxa. O cabelo era branco,
encaracolado, uma lã. Um quadro que fingia frio e não enganava ninguém. Céu azul, azul. Sol tinindo.
O
homem vestia camisa do Corinthians. Num banquinho ao lado, uma blusa do Barcelona
sob um melão - com preço e tudo registrado nele de caneta piloto azul - que
impedia que o vento que salvava a vida (minha) a levasse.
Menti.
Não era um banco o que aparava a blusa e melão. Era uma caixa de som. Um
brega antigo, desconhecido e de letra inusitada fazia a trilha sonora.
Estavam
todos ali encostados à beira do rio. As costas para o pôr do sol, as caras
voltadas para a feira do Ver-O-Peso: a mulher, o Corintiano, a caixa de som, a
blusa e o melão.
Eles
não eram um casal. Inusitados como a letra do brega, ela lhe fazia as unhas dos pés, e ele tomava cerveja refestelado enquanto lhe arrancam as cutículas. Mais naturais que o pôr do sol que acontecia ali,
alaranjado e absurdo, todo santo dia.
Não eram inusitados
coisa nenhuma! "Inusitado" é palavra minha intrometida na cena feito
intervenção de cientista em aldeia de gente feliz.
Durou
um pôr de sol, cinco bregas e três cervejas aquele fazer de unhas. Escurecido o
cenário, uns braus centígrados a menos, a manga comprida roxa da Pedicurie ambulante pôde até fazer algum sentido. O
melão foi suspenso para o Corintiano se travestir de Barcelona e estar pronto,
de unhas feitas, para o outro pedaço de dia que faltava acontecer.
Pagou
em moedas, eu pude ver. E "desachei" que era pouco no segundo seguinte em que
havia achado porque a mim nada cabia achar ali.
Poderia
contar que dancei o último brega que ouvi daquela caixa de som com melão em
cima, como se eu fosse também personagem natural à cena. Mas não contarei.
Poderia
contar de um banco de pedra à beira do rio construído com dois lugares, assentos grudados e
encostos um de frente para o outro, feito mesmo pra se namorar.
Um de frente pra feira, outro de frente pro sol, um de fronte pro outro. Mas
não é isso que vou contar.
Vou
contar que, com o Barcelona refeito, um moço da mesa ao lado parou a Pedicurie,
sacou o pé da sandália e tascou-lhe à sua visão noturna. As moedas guardadas, o banquinho de
baixo do braço e as cutículas passadas arremessadas ao rio, ela disse algo que
o brega não me permitiu ouvir e seguiu caminho.
E aqueles
pés ficariam para o próximo pôr do sol.
Belém,
Feira do Ver-O-Peso, 11 de novembro de 2012.