terça-feira, 29 de setembro de 2009

Órfãos do Eldorado: o presente, o Jabuti e o recado.

Laranjeiras, Rio de Janeiro.
Eu, toda serelepe - como de costume - na fila pra entrar na Casa Rosa.
Aquela energia de "ah, como me sinto em casa no Rio e blá blá blá".
Aquela zombaria sobre quantas vezes já estive lá no ano.
Aquela explicação de que, na cabeça das pessoas eu vou muito mais ao Rio do que de fato vou.
E aí, descendo a ladeira da Rua Alice ao nosso encontro, aparece a amiga conterrânea com um presente de aniversário um mês atrasado, e não por isso menos amado, mas que no mínimo seria uma sacolinha a carregar a noite inteira enquanto se sambava. O que importa? Guardei no coração.
Era "Órfãos do Eldorado", o livro do Milton Hatoum, nosso vizinho regional, nosso companheiro de FLIP e parceiro de mesa e de tema literário do Chico.
Ouso dizer que o distinto senhor também foi alvo de uma paixonite repentina surgida lá por Paraty. Mas isso são outros quinhentos.
O fato é que hoje vi que o livro foi o 2º lugar na categoria Romance do Prêmio Jabuti 2009 e logo lembrei de todas as ocasiões: a que o conheci, em Paraty; a que me presentearam, no Rio; e a que li o prefácio, em casa.
Não tenho exatamente noção se a amiga conterrânea tinha consciência do presente que me dava (no fundo, acho que tinha sim!), mas a primeira coisa que o livro me disse foi isso:

Dizes: "Vou pra outra terra, vou pra outro mar.
Encontrei uma cidade melhor que esta.

Todo o meu esforço é uma condenação escrita.
E meu coração, como o de um morto, está enterrado.
Até quando minha alma vai permanecer nesse marasmo?

Para onde olho, qualquer lugar que meu olhar alcança,
vejo minha vida em negras ruínas
Onde passei tantos anos, e os destruí e desperdicei".

Não encontrarás novas terras, nem outros mares.
A cidade irá contigo. Andarás sem rumo
Pelas mesmas ruas. Vais envelhecer no mesmo bairro,
Teu cabelo vai embranquecer nas mesmas casas.
Sempre chegarás a esta cidade. Não esperes ir a outro lugar,
Não há barco nem caminho pra ti.
Como dissipaste tua vida aqui
Neste pequeno lugar, arruinaste-a na Terra inteira.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Meu seriado mulherzinha favorito

Sério, cara, quem precisa de seriados com 4 personagens dessas atuando na minha vida?

Diálogo 1:


- Não tem desculpa, não adianta. A não ser que ele tenha morrido. Aí tudo bem. Mas se ele não morreu, não dá mais, não dá.
- Calma, amiga, como assim? O que houve?

- Nada. Não houve nada. Simplesmente sumiu. E eu tô aqui igual uma idiota sentada no chão da área de serviço com um bando de detergentes falando baixinho e muito puta. Eu só queria saber se ele morreu, só isso. Posso ligar pra ele só pra saber se ele morreu?
- Não. Não pode. Não agora. Não essa hora. Não sentada no chão da área de serviço com um bando de detergentes.
- Ah, então tá, era isso que eu queria saber. Obrigada, amiga. Vou desligar que tá tarde, tá? Beijo.

Diálogo 2:
- Ele tá aqui.
- Com a namorada?
- Não sei, se for a namorada eles não são um casal que se beija...
- Droga, esse nanico idiota de cabeça chata...
- Cara, a cabeça dele é muito chata, muito!
- Manda ele à merda pra mim?
- Posso mesmo? Olha que eu mando. Tô bêba...

Diálogo 3:
- E aí, mandou mensagem?
- Eu não. Liguei, logo, porque não sou moleca!
- E aí?
- Aí ele foi o homem mais fofo do universo, aquela coisa, passou tudo, e eu sou uma idiota. Me interna.
- Interno. Interno.

Diálogo 4:
- Aí que ele me pediu desculpa, disse que tá arrependido, perguntou se eu ainda queria ir morar com ele...
- Sééério? E aí?
- Ah, perguntou se aquela certeza que eu tinha dele ser o homem da minha vida ainda existia. Eu disse que não.
- Gente, que reviravolta. Mas e aí, como tu estás te sentindo com tudo isso?
- Porra. Tô me sentindo a She-ra!


Pela honra de Grayskull!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O pé e o balde.


Pra quem anda com o pé encostado no balde,
chutar é um peteleco.

E um peteleco, agora, até que não cairia mal não.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Festeja Arnaldão!



Desde 2005, depois de um show na falecida Escápole, que prometi a mim que jamais deixaria de assistir o Arnaldo Antunes em qualquer oportunidade.
Ainda bem que adoro cumprir promessas! (Ao menos as relacionadas aos prazeres...).
O cenário era um mosaico de camisetas coloridas e a banda com figurino todo "nos trinques", de paletó e gravata. Claro que uma das mangas de Arnaldo era vermelha, assim como suas calças - ou não seria Arnaldo Antunes - e Curumin, na bateria, usava uns óculos no estilo "fui ao cinema em 1990 assistir Querida Encolhi as Crianças em 3D". Edgar Scandurra também estava por ali, logo à esquerda, em sua normalidade.
Showzaço. Banda sensacional. Repertório idem.
Trouxe o CD (Iê Iê Iê) pra casa, não só pelas músicas adoráveis (holofotes para "A sua casa", "Longe" e "Sua menina"), mas porque ele é lindo de morrer (e sou daquelas que acha que CD também é de se ver, além de ouvir: salve o projeto gráfico!).
A versão de "Judiaria" do Lupcínio Rodrigues é um espetáculo, talhada a la Arnaldão, já nem sei mais pensar na música de outra forma.
Mas, putz, ouvir aquela voz gravíssima de tão grave e ver aquela performance de dancinhas descompassadas a apresentar "Vou festejar" foi ápice total da noite!

Um salve a Arnaldo Antunes! Um salve aos tons graves! Salve o Iê Iê Iê!

Castiga-me infinitamente


Passava o trailer do filme Budapeste. Mal olhava a TV. Mas quando ouvi a frase - sem sequer atentar para o contexo - formou-se um novelo de lã ali pela garganta seguido de um "glub" seco e um inevitável palavrão. Ela dizia pra ele: "Castiga-me infinitamente".
Caramba! "Castiga-me infinitamente" é algo que nunca, NUNCA mais vai sair da minha cabeça. Tem um quê de culpa e vários quês de cinismo. Tem dor e tem gozo. É entrega absoluta e despudorada. E eu quero. Ah, quero!
"Castiga-me infinitamente" vai ecoar pra sempre por aqui. Em portugês, por óbvio. A personagem de Budapeste faz o pedido em húngaro: magiar végtelenül büntess meg, mas isso são outros quinhentos que eu deixo pro Chico explicar:

“Naquele dia entrei em sua casa com o propósito de acertar as contas e dar por encerrado aquele curso de merda. Mas antes de partir faria um pronunciamento em língua portuguesa, num português brasileiro e muito chulo, com palavras oxítonas terminadas em ão, e com nomes de árvores indígenas e pratos africanos que a apavorassem, uma linguagem que reduzisse seu húngaro a zero. Deixei de fazê-lo devido ao visível arrependimento de Kriska, que só não me pediu perdão porque inexiste tal palavra em húngaro, ou melhor, existe mas ela se abstém de usá-la, por considerar um galicismo. Como forma coloquial de se expiar uma culpa, existe a expressão magiar végtelenül büntess meg, isto é, castiga-me infinitamente, numa tradução imperfeita. Foi o que ela me disse, sabendo que eu compreenderia não as palavras, mas o sincero sentimento posto nelas. Afagou-me o rosto com a ponta dos dedos, fechou os olhos e sussurrou végtelenül büntess meg, mantendo em seguida os lábios abertos, e no meu entendimento ela pedia para eu lhe beijar a boca.”
(Budapeste, de Zsoze Kósta)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sobre a arte da dar respostas a perguntas sem respostas

Aí você passa anos-luz pensando na vida. Entra e sai de crises existenciais. Questiona deus, o mundo, os astros, os búzios. Funde neurônios. Procura terapia. Enche os ouvidos dos amigos e do travesseiro. Enche a cara no fim de semana. Foge. Encara de frente. Enfim, vive toooodo aquele processo árduo, dolorido e desgastante de quem está insatisfeito, porém, acomodado e... pá! Um belo dia dá um estalo de lucidez, bate uma coragem desmedida, você se sente dona de si, Saturno está passando na casa certa, ou por qualquer outra razão possível que nunca se saberá exatamente qual é, você chuta o pau da barraca / toma a decisão / manda tudo pros infernos - tudo isso não sem sofrimento, pânico, medo, pavor e todos os demais sinônimos que dão gastura.

Feita a introdução, segue a cena:

Chefe do chefe: - Mas porque você quer sair? Eu não senti muita firmeza na justificativa que me deram...

Eu: - Ah, acho que já tava na hora de mudar, blá blá blá, crises existenciais, blá blá blá, queria experimentar coisas diferentes, blá blá blá... (tentei, juro!)

Chefe do chefe: - Mas quais são os seus planos? Você tem planos, né? Está saindo daqui pra trabalhar aonde?

Eu: - Então. Não sei ainda muito bem. Na verdade, vou pensar quand...

Chefe do chefe: - Ah, não. Então não acredito. Por que você não diz a verdade?

Eu: - Então tá. A verdade é que eu descobri que estou grávida e desde então vi que minha verdadeira vocação é ser mãe e decidi dedicar o resto da minha vida ao meu filho que vai nascer... a advocacia se tornou incompatível com o novo sentido da minha vida.

Chefe do chefe: - Err... Ah, então tá, minha filha, entendo como são essas coisas. Mas boa sorte nessa empreitada, a maternidade muda mesmo as pessoas, blá blá blá...

Pô. O ser humano sofre, passa noites insones pensando na complexidade da vida e tem que resumir tudo numa frase que faça sentido ou tenha crédito pra alguém que não tem a MENOR idéia do que... Ah, cara, chega uma hora que dá preguiça de explicar né? E essa coisa de dar a resposta perfeita para que não hajam mais perguntas, olha, É UMA ARTE! Passados uns meses, e se necessário for, encontro uma resposta branda para a barriga que não crescerá.

Depois da tempestade...

Não somos mais que uma gota de luz
Uma estrela que cai, uma fagulha tão só
Na idade do céu...
Não somos o que queríamos ser
Somos um breve pulsar em um silêncio antigo
Com a idade do céu...
Calma! Tudo está em calma
Deixe que o beijo dure, deixe que o tempo cure
Deixe que a alma tenha a mesma idade
Que a idade do céu...
Não somos mais que um punhado de mar
Uma piada de Deus, um capricho do sol
No jardim do céu...
Não damos pé entre tanto tic tac
Entre tanto Big Bang
Somos um grão de sal
No mar do céu...
Calma! Tudo está em calma
Deixe que o beijo dure, deixe que o tempo cure
Deixe que a alma tenha a mesma idade
Que a idade do céu.
(Paulinho Moska - A Idade do Céu)